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sexta-feira, 30 de abril de 2010

Conheça o segredo do País das Maravilhas

By: Luciano Ramos
Por: pipocamoderna

Este texto poderia ser considerado um spoiler, se “Alice no País das Maravilhas” fosse um filme de suspense. Mas há de fato uma maciça dose de mistério cercando esse trabalho de Tim Burton. Vejamos: por que motivo ele atribuiu à protagonista a idade de 19 anos, colocando-a como herdeira de um poderoso empresário de comércio internacional? E por que, na última cena, ela toma um navio mercante em direção à China, no comando de uma missão de negócios, ostentando uma anacrônica gravata masculina?

Para facilitar a fruição do filme, uma explicação deveria ser apresentada logo na abertura, talvez num letreiro, como fez George Lucas em “Guerra nas Estrelas”. O procedimento esclareceria a complexa estratégia que ele adotou para adaptar o livro do inglês Charles Dodgson (1832-1898), publicado sob o pseudônimo de Lewis Carrol em 1865 – ano em que se iniciou uma guerra de 4 anos entre a China a Grã Bretanha, que ficou conhecida como a 2ª Guerra do Ópio. O que era mesmo aquilo que a lagarta azul fumava de um narguile, sentado num cogumelo?

O que ela iria comprar e vender no então chamado Império do Meio? A pista para responder esta pergunta está na história. Naquela época, os britânicos importavam seda, porcelana e chá – bebida da qual a Rainha Vitória era dependente, junto com a totalidade de seus súditos. Ingerir essa infusão de ervas era um hábito tão importante que servira de gancho para uma revolta considerada um dos estopins da guerra da Independência dos Estados Unidos: a “Boston Tea Party”, de 1773. Naquele ano, o Parlamento inglês entregara o monopólio do comércio do chá à Companhia das Índias Orientais, que pertencia a uma maioria de capitalistas ingleses. Em resposta, os americanos jogaram ao mar o carregamento de chá dos navios da companhia que estavam no porto de Boston.

A balança comercial era desfavorável aos britânicos, que tinham comprado 12.700 toneladas de chá em 1720 e, em 1830, já tinham passado de 360 mil toneladas. Por outro lado, na primeira metade do século 19 o ópio representava o grosso das exportações britânicas para a China, porque era a mercadoria que mais interessava aos consumidores. Assim, quando a sua importação foi proibida pela dinastia Qing, os britânicos lhe declararam guerra.

Produzida em alguns locais da Índia e do Oriente Médio, que na época era ocupado pelo Império Otomano, a droga era vendida ilegalmente aos chineses por mercadores ingleses que a trocavam basicamente por seda, porcelana e chá. Será por acaso que esses produtos dominam a cena de Alice, por meio do Chapeleiro Louco e seus comensais − a Lebre de Março, o Gato Risonho e o Coelho Branco? Nessa sequencia central do filme, que é a “Mad Tea Party”, Alice se encontra com a “elite social” do País das Maravilhas e é escondida dentro de um bule.

O nome original do país com o qual a menina Alice sonhava todas as noites desde os 6 anos, aliás, era simplesmente “Underland” – o underground, instância social em que se situavam as transações mercantis envolvendo o produto aspirado pela Lagarta Azul que, ao fim da história, “morre” para se transformar em borboleta da mesma cor. Aí a simbologia se completa: ao longo da história, os ingleses trocam o comércio subterrâneo de escravos e drogas por mercadorias mais nobres, como produtos manufaturados.

Na versão de Tim Burton, antes de recusar o pedido de casamento do filho de um Lorde, a Alice de 19 anos cai na toca do Coelho e experimenta na carne as mesmas aventuras com as quais sempre sonhara. É importante notar que essa queda se prolonga por vários minutos e, ao seu término, a personagem cai sentada sobre o teto de uma sala, com os cabelos para cima. Ao olhar em torno, ela depara com um candelabro em que as velas se acham com a chama virada para baixo e, aí, cai ao chão. Isso indica que o fundo da toca coincide com um local antípoda à Europa, ou seja, o extremo oriente do planeta, onde se localiza a China.

Após o término da fantástica aventura no mundo subterrâneo, ao sair do buraco, ela encara o mundo real: recusa o pedido de casamento e chama o pai do noivo para uma conversa privada. É quando ela lhe propõe sociedade num empreendimento comercial no império da Grande Muralha.

A “Interpretação dos Sonhos” de Sigmund Freud só seria lançado três décadas depois. Mas, mesmo assim, a protagonista deve ter vislumbrado retalhos de uma realidade futura por trás dos símbolos contidos naqueles sonhos recorrentes desde a infância. E, numa pré-munição, visto um confronto interno entre brancos e vermelhos. Branco, como a droga e como era designado o próprio chá chinês obtido da camellia sinensis – chá branco. E vermelho, como é a bandeira da China, que na marinha britânica também é a cor da bandeira que representa guerra. Uma batalha da qual ela mesmo participaria a ponto de empunhar espada para defender um dos lados. De fato, os ocidentais venceram a Guerra do Ópio e, em resultado a China abriu 50 de seus portos para o comércio com estrangeiros e a ilha de Hong-Kong permaneceu sob o domínio inglês até 1997.

Em outras palavras, a hipótese é que Tim Burton e a roteirista Linda Woolverton desenvolveram duas histórias para o filme, uma recheando a outra, como num sanduiche narrativo. Pode ter decidido isso para poder trabalhar com dois níveis de dramaturgia, fazendo com que o plano do discurso realista enfatize e valorize a narrativa fantástica do País das Maravilhas – como, aliás, foi que construiu Guillermo Del Toro em “O Labirinto do Fauno” (2006) -, que termina com um insight de uma viajem de negócios para a China. Uma alegoria surreal e onírica sobre o colonialismo britânico, em busca das maravilhas da China.

Agradeço a pipocamoderna.virgula.uol

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