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sexta-feira, 7 de maio de 2010

Mais Uma Entrevista Com Terry Gilliam

Seus filmes são uma espécie de contra-ataque em relação ao mundo tecnológico?
Terry Gilliam: Estamos tão afogados em informação atualmente. Não sei como é possível manter nossa identidade como indivíduos nesse contexto e, acima de tudo, como imaginar e ver o mundo da maneira mais adequada a cada um. Tive a sorte de crescer na era do rádio e por isso imaginei praticamente tudo durante toda minha infância e adolescência. Sempre penso nas reações do meu filho quando vamos para nossa casa na Itália – sem telefone, sem televisão – e ele ficava entediado pela ausência especialmente do videogame e a TV. Dois dias depois ele começava encontrar sua própria diversão, Adivinhe qual a primeira coisa que ele fazia quando voltávamos para casa? Ligava a televisão e abandonava tudo aquilo (gargalhadas). Quero que as pessoas se desconectem. Desliguem tudo e descubram sua própria companhia. E, acima de tudo, descubra se tem alguém em casa; ou se você é apenas uma ligação sináptica flutuando no espaço (gargalhadas).

E como você faz isso?
Jogo um monte de me*** na frente de vocês (gargalhadas) e, com sorte, provoco reações no público. Ou não. Lanço a ideia e cada um pode ler da maneira que achar cabível. Se você vê algo e a pessoa do seu lado não, de forma alguma um de vocês é mais ou menos inteligente. São pontos de vista. Ofereço possibilidades, faço perguntas, não dou respostas ou muletas para ninguém e torço para que ninguém resolva ir embora antes do final da projeção (gargalhadas).

Além do aspecto pessoal, como a morte de Heath Ledger afetou as filmagens de Dr. Parnassus?
A decisão de continuar o filme foi a mais difícil, mas uma vez que ela foi tomada, o resto se encaixou. O personagem entra no espelho três vezes, logo, três atores poderiam representar essas fases. Chamar apenas uma pessoa para substituí-lo nunca foi uma opção. Incluir
Johnny Depp, Jude Law e Colin Farrell foi complicado por conta de calendários, mas foi ótimo. Eles chegaram, não ensaiaram e filmamos. Com Johnny, por exemplo, tivemos três horas e meia em um único dia. Era tudo ou nada. Quando assisti a primeira vez, pensei: ‘como conseguimos fazer essa p$%$?’ (gargalhadas). Um modo de entender esse acontecimento é pensar que, durante aquele tempo, esses atores deixaram seus egos de lado e fizeram algo por e para Heath. Alguns podem pensar que fizemos analogias a Heath Ledger, mas tudo já estava escrito. Esse filme analisa a mortalidade, logo essa tragédia vai, inevitavelmente, se relacionar.

E por que não mudar os demais atores a cada visita ao espelho?
A linha de raciocínio é a seguinte: cada uma das pessoas que atravessa o espelho mergulha em sua própria imaginação, então tudo que acontece ali é reflexo desses desejos. Por exemplo, quando a “mulher Louis Vuitton” – como a apelidamos – entra em cena, ela vê todos aqueles sapatos, bolsas e outras coisas. É o Buda do consumismo. A iluminação através das compras (risos). E, de repente, ela vê
Johnny Depp e diz ‘sempre sonhei que você fosse assim’. É o sonho dela.

Seja pelo roteiro de Dr. Parnassus, o interesse por Belas Maldições [de Neil Gaiman] e a constante referência a demônios, qual a importância desse tema?
Essa relação sempre esteve presente no meu trabalho. Estudei numa escola religiosa com uma bolsa de estudos da igreja presbiteriana, pô! (risos). O demônio sempre esteve presente na forma dessas dicotomias – bem e mal, certo e errado, etc. – e por isso me interesso pelo tema na minha vida toda. É por isso que tenho interesse em Belas Maldições e é por isso que escrevi O Imaginário do Dr. Parnassus. É uma obsessão, mas consigo botar para fora (risos).

[...]

Há espaço no cinema moderno para o seu estilo de arte?
Eu faço meu espaço! (gargalhadas) É uma das vantagens de ser o dono do circo! [...]

Assim que vê suas ilustrações?
Não paro para analisar meu trabalho. Sem dúvida essa qualidade de conto de fadas existe, mas também é preciso pensar no benefício que isso traz à história. Outro dia, assisti a um de meus filmes – sem volume – e notei que foi possível acompanhar a trama como se fosse um filme mudo. Não é preciso saber todas as palavras para comunicar através do cinema. Fiquei maravilhado. Estava feliz por poder ver aquelas imagens como uma criança diante de um livro ilustrado. Foi uma experiência semelhante a ler Onde Vivem os Monstros, de Maurice Sendak; uma página pode consumir horas do seu tempo com todas aquelas possibilidades e magia visual.

As coisas mudaram depois de tantos filmes elogiados e projetos de sucesso?
(gargalhadas) Quem me dera. Tudo continua do mesmo jeito. Cada filme é o primeiro filme da minha vida, cada orçamento é o mais difícil da minha vida. A cada viagem a Hollywood para mendigar dinheiro para meus filmes os estúdios reagem do mesmo jeito. “Adoramos todos os seus filmes, Terry. Somos grandes fãs, de verdade. Humm, mas esse filme? Não sei, não... Estou em dúvida”. Escuto isso há 25 anos. Nietsche estava errado: o que não te mata não te faz mais forte, só te deixa muito mais cansado.

O que te surpreende no cinema?
Atores me surpreendem. Sempre torço para ser surpreendido e Heath Ledger fez a maior de todas. Uma surpresa que eu não queria, mas me surpreendeu.

Fábio M. Barreto, de Los Angeles

Agradeço a johnnydepp.com.br

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