Soraia Yoshida Evans
--Toda vez que Tim Burton e Johnny Depp se juntam para encarar os jornalistas, pode apostar que a maior parte do tempo eles vão fazer piadinhas, daquele tipo que você fazia com o seu melhor amigo quando tinha uns dez anos. Desta vez, não foi diferente, mesmo se tratando de um filme em que o personagem principal só pensa em matar, matar, matar...
Ainda que tenha sangue literalmente escorrendo por todo lado, Sweeney Todd tem momentos divertidos. Cortesia de Tim Burton, que considera essencial manter o bom astral. “Quando você está caindo no abismo da depressão, é bom manter um pouco do senso de humor, não é?”
Piadas à parte, o filme deu a Johnny Depp a chance de encontrar sua própria voz para fazer o barbeiro de Fleet Street. E foi por aí que começou esta conversa com a dupla dinâmica.
Tim, você andou preocupado por uns tempos enquanto Johnny não mandava notícias. Deu tudo certo no final, mas por acaso você tinha um plano B?
Tim Burton: Eu não tinha a menor idéia se ele ia conseguir cantar ou não, mas por mais estranho que possa parecer, eu não estava com medo. No fundo, eu tinha uma coisa dentro de mim, meu instinto talvez, dizendo que iria funcionar. E ele excedeu todas as minhas expectativas.
Johnny Depp: Eu estava com medo.
Johnny, você preferiu não trabalhar com um professor de canto. Como foi a sua preparação para o papel?
Depp: (pausa) É... como o Tim disse, ele não tinha idéia se eu podia cantar ou não. E nem eu. Eu tinha um feeling de que poderia cantar por causa do meu background musical [Johnny esteve envolvido em várias bandas antes de definir sua carreira como ator]. Eu não sabia se conseguiria
sustentar uma nota. Por isso pedi a ele um tempo para me preparar e tentar algumas coisas com um amigo que tem um estúdio em casa. Queria gravar algumas coisas e ver se passaria pelo medo inicial de me expor daquele jeito. Aí gravei e mandei para o Tim. Ele disse que estava ok e isso me deu mais segurança para tentar algo mais até chegar ao ponto que queria. Para mim, só
de pensar em ficar ali diante de alguém cantando as escalas musicais... (pausa) meu instinto me dizia “isso está errado”, parecia errado... não importa se você não sabe cantar, apenas cante. Foi isso o que eu fiz.
Este é o sexto filme em que vocês trabalham juntos. Também é o filme mais sombrio dessa parceria. Vocês diriam que Sweeney Todd é um divisor de águas?
Burton: Yeah, nossa descida final na escuridão... (risos de Depp) Mas fala sobre o caráter humano e alguns personagens, bem, são no mínimo condenáveis...
Burton: Mas o filme é um pouco engraçado também, você não acha? Quando você está
caindo no abismo da depressão, é bom manter um pouco do senso de humor, não é? (Depp ri mais alto) Eu tenho que dizer que este foi um dos personagens que ele fez que eu mais gostei. Nós falamos muito tempo sobre atores de antigos filmes de horror, como Peter Lorre e Lon Chaney, e esta foi a nossa chance de fazer o nosso filme. Nós assistimos A Volta do Dr. X (Return of Dr X, 1939), o único filme de horror que Humphrey Bogart já fez e foi tão incrível ver Johnny fazer um daqueles personagens... Para mim, o filme não tem nada de sombrio – é divertido e foi
incrível fazer Sweeney Todd.
Depp: Oh, sim, e muito desafiador. Muita gente fez sua versão de Sweeney. Eu e Tim sentamos para discutir sobre o personagem, como esse cara vai parecer, o que ele pensa? Nós sabiamos que era uma oportunidade muito especial, única mesmo de fazer um filme de horror/musical...
Burton: A Noviça Rebelde Sangrenta.
Você acha que Sweeney é maluco? É assim que você criou sua versão do personagem?
Depp: Provavelmente é um cara que vai terminar em um lugar muito desagradável. Mas ele faz parte de um processo muito orgânico: ele começa como vítima de uma grande injustiça, vai parar na cadeia e fica obcecado com a idéia de se vingar.
Burton: Também é uma jornada muito emocional. Nós tentamos mostrar as razões dele e acho que Johnny conseguiu fazer isso muito bem. Quando você assiste aos filmes do Peter Lorre, dá para ver todas as coisas que vão na cabeça dele, negativas e positivas. Mas ele fez monstros que traziam um aspecto humano e em que tudo era muito interiorizado e foi essa característica que tentamos alcançar.
Johnny, para fazer o capitão Jack Sparrow, você fez uma espécie de homenagem ao guitarrista Keith Richards (dos Rolling Stones). De onde veio a inspiração para fazer Sweeney Todd?
Depp: Nós falamos muito sobre os reis dos filmes mudos, principalmente do gênero horror, como Lon Chaney Senior, Boris Karloff, e especialmente Peter Lorre em
Mad Love. Em termos de voz é dificil dizer, talvez Iggy Pop... ele é um cantor com uma voz profunda de grande qualidade. O musical de Sondheim é muito cinemático.
Isso ajudou a criar o visual do filme, Tim?
Burton: Para mim ajudou muito. Se você pegar as trilhas de Bernard Herman e tirar os diálogos do filme, vai ver que cotinua sendo uma grande trilha de filme. Eu pensei nisso e levei em conta o fato que essa é uma história melodramática. Se tirar a música, vai ver que parece um daqueles filmes de horror do qual falamos tanto. Nós tiramos algumas coisas do musical original e colocamos outras de volta porque a própria música conta a história e nós concluímos que era uma maneira legal de fazer isso em vez de apelar para o diálogo. Mantivemos praticamente tudo como um musical e isso deu uma grande força ao filme.
Como você e Helena vivem juntos, em algum momento houve alguma pressão por causa do filme?
Burton: Eu mesmo coloquei pressão em mim, ela não fez isso. Ela é muito profissional, é atriz há muito tempo e foi ótima, em nenhum momento ela questionou a escolha do papel porque sabia que eu mesmo estava me cobrando. E você sabia que ela tinha uma boa voz, suficiente para cantar...
Burton: Eu a torturei um pouco, ela teve que passar por muito mais fases do que deveria. Mas eu queria estar certo de que ela era perfeita para o papel. Eu a torturei, ela não me torturou...
Tim, quando você assistiu ao musical no West End nos anos 70, você fez alguns esboços dos personagens principais e eles se parecem muito com Johnny e Helena.
Burton: Pois é, mas os meus esboços se parecem com todos os esboços (risos). É fácil olhar as coisas desse lado. O que me chocou é que quando fui checar minhas coisas, eu os vi como um sinal positivo que veio do meu subconsciente e tomei como um sinal muito forte para mim.
Johnny, como foi o seu relacionamento com as navalhas?
Depp: Meu relacionamento? Eu já trabalhei com objetos pontiagudos antes (risos).
Burton: Sobre isso tenho uma coisa a dizer. Johnny não tinha problemas com as navalhas. Mas ele quase entrou em pânico por causa do creme de barbear (risos). Não é verdade? (virando-se para Depp) Essa não foi a coisa mais difícil que você ja teve de fazer, cantar e passar creme no rosto de Alan Rickman?
Depp: Um dos momentos mais desconfortáveis da minha vida. (risos)
Burton: Sério, sério (rindo) ele ficava repetindo “não vou conseguir, não vou conseguir” (risos)
Depp: Coitado do Allan... Ele não estava gritando, mas acho que ele não gostou nada (risos)
Johnny, você não chegou a pensar em se preparar para fazer o barbeiro trabalhando umas duas semanas numa barbearia ou algo assim?
Depp: (curto) Não. Da mesma maneira que não saí por aí cortando a garganta das pessoas (risos geral)
Depois de fazer um personagem de tanto sucesso como o capitão Jack Sparrow e agora Sweeney Todd, qual seria o seu grande desafio para o próximo personagem?
Depp: Estou pensando em fazer a história de Zza Zza Gabor (gargalhadas da platéia). Eu vou fazer Zaza e Eva... (risos) Olha, não tenho a menor idéia, só posso dizer que tenho muita sorte que outras pessoas tenham me oferecido personagens tão incríveis, sabe? Espero que outros mais continuem vindo e eu consiga fazer outros trabalhos e tentar outras coisas.
Mas você não tem um sonho que ainda não realizou?
Depp: Sonho? (pausa) Eu gostaria de refazer Titanic, cena a cena (risos geral).
Vocês sempre dizem e parecem mesmo se divertir no set de filmagem. Para vocês é essencial ter esse sentimento de diversão?
Burton: A gente não vê as coisas dessa maneira, mas quando você cresce sendo uma criança estranha, isso se torna parte da sua psique e da sua cultura. É claro que quando você pisa no set você sabe que vai fazer um mix de musical estranho com filme de horror e sangue e isso te faz rir porque soa absolutamente surreal – e é bom ter esse sentimento de surreal quando se
vai fazer algo.
Agradeço ao site omelete.com.br pela entrevista.